A SAÚDE NA PERSPECTIVA DO YOGA
1. Conceito de saúde e doença
Muito se fala sobre a importância do Yoga para a manutenção da saúde e especialmente para a cura de doenças. Neste artigo irei um pouco além desse discurso. Não falarei dos benefícios específicos do Yoga para a cura de doenças. O desafio deste artigo é, a partir de dois conceitos de saúde ocidentais, tentar mostrar que o Yoga e suas disciplinas afins dão conta de “cuidar do indivíduo” em todos os seus aspectos. Ou seja, a visão de mundo na qual o Yoga está alicerçado, a tradição védica, dá conta, por meio de suas disciplinas que incluem o Haṭha Yoga, de diagnosticar, lidar e apontar meios de solucionar os sofrimentos humanos relacionados a esses conceitos. Veremos que através de conceitos do Haṭha Yoga, do Āyurveda, da Astrologia Védica e de Vedānta, temos uma visão que ajuda a entender o ser humano de maneira integral, para muito além do processo de saúde e doença.
Antes de falar de saúde e de doença é importante deixar claro que saúde e doença não são conceitos estáveis, mas estão sempre sujeitos a mudanças e reavaliações, de acordo com a conjuntura social, econômica, política e cultural.
Na medicina da Mesopotâmia e do Egito Antigo as doenças eram interpretadas como processos mágico-religiosos ou como castigos, consequência de tabus quebrados pela pessoa. Dentro da história ocidental, Hipócrates afirmou que o bem-estar do indivíduo estava relacionado ao seu ambiente, ou seja, ao ar, à água, aos locais que frequentava e ao alimento que ingeria. A saúde era reflexo da harmonia entre os humores do corpo, que eram o sangue, a bílis negra e amarela e a linfa ou fleuma. Esses quatro fluidos, para ele, eram constantemente renovados no corpo a partir do alimento ingerido. Foi a partir de Hipócrates (470-377 a.C), passando por Galeno (129-199), Paracelsus (1493-1541), Louis Pasteur, entre outros, que a visão de doença e de saúde começou a ganhar a forma como nos identificamos hoje, na qual, predominantemente, deixou de fazer parte do campo religioso para entrar no campo do empirismo e da ciência. Na visão da medicina moderna, a saúde e a doença ganham caráter funcional. O corpo funciona como uma máquina. Quando uma das peças está funcionando mal, o funcionamento do organismo como um todo é afetado. Então deve-se localizar essa peça, regular seu funcionamento para restabelecer o bom funcionamento do organismo como um todo. Essa é a visão de saúde e doença predominante na atualidade.
2. Saúde como ausência de doença
Foi a partir dessa visão que nos anos 70, Christopher Boorse, filósofo da medicina, criou a Teoria Bioestatística da Saúde. Ele fundamentou seus argumentos em teorias da época e lançou a definição funcionalista de saúde como ausência de doença. Essa teoria é o pano de fundo que a medicina tradicional trabalha para lidar com a saúde e a doença. Apesar de muito criticada pela própria biomedicina, essa visão é predominante no meio médico. Veremos o que isso quer dizer, por hora, vejamos como dentro desse conceito de saúde como ausência de doença, o Haṭha Yoga pode nos ajudar na manutenção da nossa saúde e, sobretudo, na ampliação do nosso conceito de saúde.
Atualmente, muitos médicos e especialistas da área da biomedicina recomendam a prática de Haṭha Yoga, não apenas como uma ferramenta para a manutenção da saúde, mas como um forte aliado na cura de doenças. De fato o Haṭha Yoga é um antigo método de cuidado com o corpo. Mas o corpo para o Haṭha Yoga não consiste apenas do corpo físico, mas também do prāṇā. As práticas de Haṭha Yoga estão alicerçadas na visão do Āyurveda. Não há como falarmos em Haṭha Yoga sem falarmos de Āyurveda e a sua visão de saúde e de doença, de equilíbrio e desequilíbrio. Āyurveda era a “ciência médica” que estava presente e que deu origem e embasamento às práticas de Haṭha Yoga. Nos tratados clássicos de Haṭha Yoga vemos clara alusões aos humores do corpo e como determinadas técnicas podem equilibrá-los, visão presente no Āyurveda.
Contudo, independente do praticante ter ou não o conhecimento de Āyurveda, as práticas de Haṭha Yoga nos fornecem ferramentas valiosíssimas para ajudar no processo de consciência corporal. Quando digo consciência corporal refiro-me ao conhecimento mais profundo do funcionamento do nosso corpo físico e seus processos fisiológicos, e o reconhecimento de que não somos apenas formados por ele, mas temos oprāṇā, a nossa energia vital, circulando em nosso corpo. Com o Haṭha Yoga começamos a perceber a não separação entre corpo físico, emoções, energia e mente. A partir dessa prática que é o Haṭha Yoga e a visão que ele nos traz, importado do Āyurveda e do Tantra, reconhecemos a saúde não apenas como algo meramente físico, mas que o inclui. Dentro dessas práticas podemos citar os ṣaṭkarmas (purificações), āsanas, prāṇāyamas, mudrās. AGheranda Saṁhitā, célebre texto de Haṭha Yoga, que recomenda essas práticas para os seguintes benefícios, respectivamente: eliminação de impurezas do corpo, força e vitalidade, saúde do corpo e tranquilidade da mente. E sobre as mudrās diz:
A sua prática diária elimina todas as enfermidades e aumenta o fogo gástrico. (III:97)
O praticante não é alcançado pela morte nem pela decadência; a água,o ar e o fogo não o afetam. (III:98)
Com a sua prática eliminam-se a tosse, a asma, a inflamação do baço, a lepra e todo tipo de enfermidades. (III:99)
Tanto na Gheranda Saṁhitā quanto na Haṭha Yoga Pradīpikā e na Śiva Saṁhitā, os três tratados clássicos de Haṭha Yoga, é comum lermos, após a explicação de cada técnica, a ênfase no benefício que advém dela, que não são meramente físicos, pois, como sabemos, o Haṭha Yoga, diferente da biomedicina, não vê a saúde como algo apenas físico. A associação entre oprāṇā e estados da mente são também ressaltados, bem como a manutenção da jovialidade a partir de técnicas específicas, além de dietas e uma disciplina no comer, com o objetivo de purificar o corpo e mantê-lo saudável e forte. Como na citação abaixo:
“Seguir uma dieta moderada quer dizer alimentar-se com comida agradável e deixando sempre livre uma quarta parte do estômago e dedicando o ato de comer ao deus Śiva”.
2.1 Integração Biomedicina e Haṭha Yoga
O que praticamos como Haṭha Yoga hoje, definitivamente, é muito diferente do que nos propõe todas as práticas desses tratados. Há neles algumas práticas de purificação que nos causa profundo estranhamento, pois se baseava numa “tecnologia” e assepsias da época que foram escritos. O que praticamos hoje como Haṭha Yoga é reflexo dessa herança que chegou até nós de uma prática transformada e adaptada pela visão que temos hoje de medicina, de saúde e de doença. A maior parte das técnicas presentes nesses textos não é praticada pelos ocidentais, especialmente as técnicas mais invasivas de purificação. Isso não faz, porém, o Haṭha Yoga menos eficaz para nós na manutenção da saúde do corpo e da mente. Pelo contrário, as práticas e a visão de ser humano mais ampla do Haṭha Yoga podem atualmente complementar a visão da Biomedicina, bem como a Biomedicina, com todo o seu conhecimento de anatomia, cinesiologia, fisiologia, etc, enriquece as práticas de Haṭha Yoga. Atualmente, vários estudos médicos comprovam e validam, através de estudos, o que os praticantes de Haṭha Yoga já reconheciam na prática há milhares de anos. Isso é fantástico e é exatamente por isso que os médicos indicam a seus pacientes a prática de Haṭha Yoga. Muitos deles não sabem a fundo o que é Yoga e a profundidade das águas em que indicou aos seus pacientes para se banharem. O que é ótimo porque o praticante pode descobrir muito mais do que o bem-estar e a saúde, e pode abrir-se para ele uma nova visão de mundo.
3. Conceito mais amplo de saúde
O conceito de saúde divulgado na carta de princípios de 1948 da Organização Mundial da Saúde pensado, inclusive, como crítica à visão de saúde apenas como ausência de doença, diz: “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”. Este é um conceito que começou a ganhar força impulsionado pela visão de igualdade social que ascendia à época. Os conceitos de saúde começaram a se ampliar e a se associar com uma preocupação de cuidado social e de políticas públicas. Ou seja, começou-se a se pensar numa saúde coletiva ou saúde pública. Dentro desse contexto, um conceito elaborado como modelo de intervenção sobre a saúde, e sobre os quais a saúde pública deve atuar, é o de campo da saúde (health field), formulado em 1974 por Marc Lalonde. De acordo com esse conceito, o campo da saúde abrange:
1) A biologia humana, que compreende a herança genética e os processos biológicos inerentes à vida, incluindo os fatores de envelhecimento;
2) o meio ambiente, que inclui o solo, a água, o ar, a moradia, o local de trabalho;
3) o estilo de vida, do qual resultam decisões que afetam a saúde: fumar ou deixar de fumar, beber ou não, praticar ou não exercícios;
4) a organização da assistência à saúde. A assistência médica, os serviços ambulatoriais e hospitalares e os medicamentos são as primeiras coisas em que muitas pessoas pensam quando se fala em saúde. No entanto, esse é apenas um componente do campo da saúde, e não necessariamente o mais importante; às vezes, é mais benéfico para a saúde ter água potável e alimentos saudáveis do que dispor de medicamentos. É melhor evitar o fumo do que submeter–se a radiografias de pulmão todos os anos. É claro que essas coisas não são excludentes, mas a escassez de recursos na área da saúde obriga, muitas vezes, a selecionar prioridades.
Vejamos como podemos associar esse conceito, item a item, com a visão que a tradição védica nos fornece sobre o ser humano. É interessante notar como, a sua maneira, é claro, de um conhecimento elaborado há milhares de anos, todos esses pontos foram levados em conta pelas diferentes disciplinas da tradição védica.
3.1 Sobre a biologia humana
A esse ponto ressaltado por Lalonde, podemos associar toda uma elaboração que a tradição védica nos fornece através da Astrologia Védica. A Astrologia Védica é um conhecimento contido nos Vedas (Vedāṅga). É a disciplina tradicional indiana de leitura das estrelas, planetas e de contagem do tempo. Originalmente era chamada de Vedāṅga Jyoti? (estudo da luz, jyoti), que era também chamada de Jyotirveda, a “luz dos Vedas” ou “Ciência da Luz”.
Alguns estudiosos afirmaram que os babilônios inventaram o zodíaco de 360 graus por volta de 700 a.C. e que a Índia recebeu esse conhecimento dos babilônios ou até mesmo, posteriormente, dos gregos. Contudo, estudos mais profundos indicam que muito antes dos babilônios, o conhecimento de astrologia já estava presente no Ṛg Veda.
Os mantras védicos que descrevem o céu e seu complexo sistema matemático, já muito bem elaborado na época, não tinha interesse apenas astronômico. O mais fascinante desse conhecimento é revelar “a conexão do zodíaco exterior, com o zodíaco interior (a visão dos chakras)”, como diz David Frawley. No pensamento védico, o sol que rege o tempo fora de nós, em nós é o prāṇā, a força da vida. O prāṇā é o sol interior que cria o tempo biológico através do processo da respiração. Assim como é a energia que flui no nosso corpo e, especialmente ao longo da coluna vertebral, através dos sete chakras.
O nosso corpo físico, como o vemos, possuindo uma forma específica, é formado pelos cinco elementos em seu estado densificado. O nosso corpo sutil é formado pelos cinco elementos em estado sutil, e é composto peloprāṇā, os cinco órgãos de ação, cinco órgãos de percepção, o intelecto e a mente. Cada planeta do zodíaco está associado e carrega características de um elemento específico e com isso tem uma determinada influência associada a esse elemento no nosso corpo físico e sutil.
Sabemos que o Āyurveda classifica os indivíduos de acordo com os três humores ou doṣas. E isso corresponde aos elementos predominantes no indivíduo. Vata (ar), pitta (fogo) e kapha (água). Éter está associado à vata enquanto terra à kapha. A astrologia védica possui uma classificação dos planetas pelos seus doshas.
Vata (Saturno, Rahu e Mercúrio); pitta (Sol, Marte e Ketu); Kapha (Lua, Vênus e Jupter). Assim é feita uma associação entre os signos e os doṣas:Vata (Gêmios, virgem, Libra e aquário); pitta (áries, leão e sagitário e capricórnio); kapha (touro, câncer escorpião e peixes).
Embasado nessa relação, é possível a um bom astrólogo védico, a partir do mapa da pessoa, indicar tendências à saúde e a determinados tipos de doenças e assim ajudar o indivíduo a se prevenir. A Astrologia é uma ferramenta de previsão e de aconselhamento. É no mapa da pessoa que é possível ler o seu karma. O nascimento nesta vida, de acordo com a visão védica, não é aleatório; é o resultado de nascimentos anteriores e de ações anteriores. Portanto, viemos a esta vida trazendo parte desse karma, o qual chamamos de prārabdā karma. É esse karma que dá a forma exata do nosso corpo e suas tendências para esta vida. Quando se faz um mapa de uma pessoa, reconhecendo tendências, é o prārabdā karma que se está lendo. Podemos dizer que essa leitura, a sua maneira, é uma “interpretação” da genética da pessoa. Ou seja, as tendências que ela carrega como informação em seu corpo físico e sutil.
3.2 Sobre o meio ambiente
A esse aspecto mencionado pelo teórico da saúde pública, podemos relacionar à visão védica do Vāstu Śāstra. A partir do Vāstu podemos refletir com profundidade sobre a importância do meio ambiente para a saúde do indivíduo. Quando nascemos, encontramos um meio ambiente pronto para nos receber. Esse ambiente independe de nós, mas nós dependemos dele para nossa sobrevivência. A Ciência védica que se preocupa com o meio ambiente e a sua relação com o indivíduo que nele está inserido é o Vāstu Śāstra. Os espaços nos moldam tanto quando nós moldamos o espaço. O Vāstu é o corpo de conhecimento que descreve como escolher um terreno para construção, planejar a construção de uma casa residencial, palácios, templos, vilas e cidades, a partir da visão do Vāstu Pūruṣa. Tanto o terreno quanto as construções possuem a forma da deidade chamada de Vāstu Pūruṣa.
Pensemos nos cuidados constantes que temos com a alimentação, limpeza, manutenção do fluxo de energia do nosso corpo. Para entender bem o Vāstu transferimos então esse cuidado para a nossa casa, como cuidamos do jardim, das plantas, como é importante mantê-la limpa, organizada. As casas e os terrenos sobre os quais estão construídas são vistos como seres vivos. Igualmente estamos inseridos numa cidade que nos abraça e que tem as suas características próprias, como um grande corpo. Nosso cuidado deve ser expandido para ela também. Estamos inseridos nela tanto quanto estamos inseridos no nosso corpo e na nossa casa. Assim também estamos nesse grande lar que é o nosso planeta. Como posso cuidar do meio ambiente que estou inserido com o mesmo empenho que cuido do meu corpo? Essa é a lógica que está por trás da visão de não separação do Vastu, que é herança da tradição védica.
O objetivo do Vāstu é harmonizar os espaços construídos com os efeitos positivos das leis da natureza - o vento, a chuva, o sol etc - e as energias cósmicas da terra. Assim como o Yoga trabalha com o prāṇā no nosso corpo, ajudando na nossa saúde, o Vāstu reconhece os ambientes como “seres vivos” e trabalha com o prāṇā nos espaços para que possamos viver neles com mais saúde e harmonia. Podemos dizer que o Haṭha Yoga e o Āyurveda concentram o seu cuidado no indivíduo e sua relação com o meio ambiente. O Vāstu concentra o seu cuidado no meio ambiente e sua relação com o indivíduo que nele está inserido.
Um dos preceitos do Vāstu que nos deixa claro o cuidado com a terra é o que diz que não se deve cortar árvores do terreno, tampouco desmatar a vegetação. Caso seja imprescindível cortar alguma árvore, que essa mesma quantidade seja plantada noutro local. Dentro da visão védica as plantas também são indivíduos (jīvas) e merecem o mesmo respeito e reverência que todos os outros seres vivos.
Referências do Vāstu são encontradas em detalhes nos Vedas, Puraṇas,Vedāṅgas e nos épicos. O Vāstu possui quatro divisões principais que trata: do cuidado na escolha do terreno para a construção de uma casa, templo ou cidade, tamanho, formato, a direção que as casas devem estar posicionadas; da escolha do material de esculturas de arte, pedra, madeira e outras matérias-primas e das suas proporções e tamanho; de fórmulas de como localizar poços de água, sua profundidade, pressão, gosto e qualidade; dos minerais, suas variedades, disponibilidade e como achá-los na natureza.
3.3 Sobre o estilo de vida
Quando se fala em cuidar do meio ambiente, inclui-se aí o cuidado com a nossa mente, emoções e o nosso corpo. Mente, corpo e emoções não estão separados do meio ambiente, são o meio ambiente. Essa visão de não separação, revela-nos a importância de pensar o cuidado com a natureza como a atenção ao equilíbrio entre nosso corpo, pensamentos e emoções em sua constante e inevitável relação de efeito e causa com o meio que nos circunda, objetos, animais, pessoas. Ou seja, cuidar de si para cuidar do meio, cuidar do meio para cuidar de si.
A palavra “Yoga”, tanto na Bhagavad Gītā quanto no Yoga Sūtra, é usada para definir o caminho que se trilha, o caminho do autoconhecimento, e ao mesmo tempo o objetivo final dessa busca. O estado é o reconhecimento de união com o Todo. O caminho é tudo o que se usa como apoio para esse reconhecimento. Yoga então é uma proposta de estilo de vida para manter o indivíduo em equilíbrio e o reconhecimento claro de sua natureza plena. Yoga inclui tudo o que falamos anteriormente como Haṭha Yoga, mas amplia a prática de um momento específico do dia, de cuidado com o próprio corpo e mente, para um cuidado a todo o momento, em todas as relações que estabelecemos na vida.
3.3.1 Śama e Dama
Para toda e qualquer disciplina na vida é necessário śama e dama. É necessário se conhecer muito bem para criar uma disciplina sobre si mesmo e para fazer as escolhas adequadas na vida. Escolhas que vão nos conduzir à integração e à saúde.
Śama é ter um comando sobre a mente (mano nigrahaḥ). Conhecer os caminhos da mente, os seus gostos e aversões. Para se ter um comando sobre a mente, precisamos conhecê-la. É preciso saber exatamente o que leva a nossa mente a se irritar, a reagir. O comando sobre a mente não é segurar a mente quando ela já está irritada, isso é dama. Aqui estamos falando de um comando num nível mais sutil, é ter um comando sobre a raiva antes que ela se torne raiva. Antes da manifestação da emoção. Aqui, por exemplo, pode se fazer importante ter um caderninho de anotação. E sempre que reagir, ficar com raiva, ciúmes, escrever no caderninho o motivo da irritação. No início o que é escrito é acusação aos demais, culpando-os pela nossa raiva. Depois podemos analisar o caderno e ver os nossos padrões, e procurar entendê-los. Observar que são coisas que não queremos ver, porque no momento em que elas acontecem são demais para nós. Também ajuda a entender coisas que estão ocultas, mas que nos irritam. O comando sobre a mente só vai acontecer à medida que a gente entender, assim como as crianças que entendem como funcionam os pais e jogam com isso, fazendo certa chantagem emocional. Na maior parte das vezes, por falta de conhecimento da mente, pelo desconhecimento de uma ansiedade, de uma insatisfação, por exemplo, compensamos esses sentimentos com maus hábitos que prejudicam a nossa saúde.
Dama, por sua vez, é o comendo sobre os órgãos de ação. Segurar, quando necessário, o que fala, o que faz em relação a outras pessoas. Isso já é uma grande coisa, porque evita mágoas, perda de energia. É não agir movido pela raiva, ciúmes ou qualquer outra emoção destrutiva, mas saber direcionar e expressá-las de maneira construtiva. Esse controle saudável pode ser direcionado a qualquer outra coisa no momento, e faz com que tenhamos o controle para poder, depois, nos dirigirmos à pessoa com mais clareza e calma, com objetividade, evitando mágoas e ressentimentos.
3.3.2 Yāmas e Niyamas
Śama e dama, que são capacidades que desenvolvemos, devem ter um propósito. E um grande propósito que irá guiar essas duas capacidades sãoos yamas e niyamas, outro par de aspectos dessa Vida de Yoga que são fundamentais para a promoção da saúde coletiva, da saúde nas relações interpessoais e ambientais. Yāma é tudo aquilo que não devemos fazer, impulsos que devemos restringir para que possamos viver em paz coletivamente e que permitem, como conseqüência, as pessoas viverem em paz conosco. São os valores humanos. Reconhecemos, especialmente hoje, que uma crise de valores tem efeito negativo sobre a organização social e igualmente sobre o meio ambiente, por isso a sua importância. Listo abaixo quatro dos cinco yāmas que se fazem importante ressaltar dentro do contexto deste artigo:
Ahiṁsā é não causar dano a outros seres, relacionado aos três âmbitos de ação do ser humano: pensamentos, palavras e ação em si.
Satya é a verdade. Uma sinceridade no sentido de falar a verdade. Quando falamos devemos dizer a verdade. Isso não quer dizer que tudo que é verdade deve ser falado. Lembremos que ahiṁsā vem antes. Então, mesmo que seja verdade, mas, se for causar dano à outra pessoa, não fale. A fala precisa ser agradável, por isso, fale de uma maneira que a outra pessoa possa lhe escutar. Se durante a fala você ferir a outra pessoa, ela vai reagir e não absorverá nada, isso torna a sua fala inútil.
Asteya é o não roubar e não cobiçar as coisas de outra pessoa. Aqui inclui roubar idéias, roubar palavras, roubar mérito, tirar tempo, tirar qualidade.
Aparigrahā é a capacidade de fazer uso das coisas sem a necessidade de ficar acumulando demais. Eu não permito que as coisas façam uso de mim, mas reconheço que na vida eu faço uso de tudo, mas nada de fato me pertence. O universo é como um hotel 5 estrelas, onde nós chegamos e aqui encontramos tudo pronto para usufruirmos, mas logo vamos embora e deixamos tudo aqui, nada é para levar. Temos o direito de usar tudo e quando formos embora, precisamos deixar tudo para trás. Essa necessidade de ficar acumulando coisas é devido à nossa insegurança.
Introjetar esses valores básicos na vida é de extrema importância para a saúde emocional e mental de qualquer indivíduo. Cedo ou tarde nos deparamos com a necessidade de compreender a importância desses valores.
Os niyamas são aquilo que devemos fazer. São dicas que o Yoga nos dá de direcionamento e de disciplina no dia a dia para que possamos viver a vida de maneira mais integrada. Abaixo seguem três niyamas importantes:
śaucha é a pureza, a limpeza externa e interna. Limpeza externa é a limpeza e organização do local onde vivemos, e inclui, também, a limpeza do próprio corpo. Tomamos banho todos os dias e fazemos as higienes básicas porque o corpo é um instrumento para que possamos viver aqui de maneira mais confortável. Ele é um templo do Ser. Pureza interna é a pureza da mente. E, impureza da mente é tudo aquilo que traz uma agitação para ela, criando, assim, medos e inseguranças. É preciso observar esses pensamentos e emoções e aprender a lidar com eles com maturidade.
Santoṣa - é o contentamento. Santoṣa é trazer para a nossa mente uma satisfação. Enxergar as razões que existem em nossas vidas para que estejamos satisfeitos e não apenas pensarmos nas limitações, naquilo que não conquistamos, nos problemas. Assim, trazemos para a mente uma satisfação, uma alegria, um estar bem conosco. Santoṣa é a capacidade de olhar para as coisas que estão acontecendo agora, e não existe dúvida, veremos uma razão para estarmos satisfeitos. A vida diária já apresenta motivos suficientes para estarmos bem e encontrarmos esse estar bem conosco. Quando acordamos e vemos o sol brilhando, o céu azul, isso já é uma razão suficiente para estarmos bem. Não adianta ficar pensando que a felicidade surgirá apenas quando conseguirmos aquela casa, ou aquele dinheiro, aquela viagem ou aquilo que tanto queremos, porque dessa forma a felicidade nunca vai acontecer. No dia em que essas coisas acontecerem, se não estivermos bem conosco, teremos razões suficientes para estar mal. Achar que a felicidade aparecerá quando nos livrarmos de todos os problemas não é possível, porque quando solucionamos um problema outro aparece, e a vida também é o solucionar desses problemas. Santoṣa é olhar para as pequenas coisas que acontecem a toda hora, em vez de ficarmos procurando coisas grandes do futuro para nos satisfazer. Para que isso aconteça precisamos querer. É um valor que adquirimos. Precisamos manter a atenção nessas pequenas coisas para que a satisfação exista.
3.4 A organização da assistência à saúde
A esse aspecto de cuidado com a saúde, podemos associar ao Āyurveda. Āyurveda significa “a ciência da vida”. É o sistema védico de cura natural do corpo e da mente. Āyurveda é o sistema de medicina tradicional indiana. É uma ferramenta valiosíssima de cura física e psicológica do indivíduo que ajuda a promover a melhora da saúde e o aumento da vitalidade. Muitas vezes apenas pela modificação na dieta e em questões básicas no estilo de vida de uma pessoa, mudanças profundas em sua vida são alcançadas. O Āyurveda está embasado na complexa visão de mundo da tradição védica, a qual já vimos discutindo ao longo deste artigo. Parte do princípio da observação da natureza e suas propriedades, fazendo uso dela para o bem-estar do indivíduo. É um sistema que busca o equilíbrio da pessoa a partir das forças da natureza. Para tanto, faz orientações quanto à utilização de ervas, à prática de limpezas internas que podem tanto curar, mas, sobretudo, manter a saúde da pessoa. Porém o objetivo do Āyurveda não é apenas a cura ou a prevenção de uma doença, mas também o rejuvenescimento e a longevidade.
Para a manutenção da saúde e prevenção de doenças, o Āyurveda sugere não apenas uma rotina diária de alimentação e hábitos saudáveis, de acordo com a constituição de cada pessoa - vāta (ar), pitta (fogo) e kapha (água) - mas também fornece dicas de alimentação e ações ao longo do ano, em consonância com as estações e as mudanças que causam no nosso organismo. De acordo com Robert Svoboda, independente da sua constituição, três pilares são fundamentais a serem observados no nosso estilo de vida para a manutenção de um corpo saudável: sexo, sono e alimentação. Cada um deles representa, respectivamente, criatividade (energia de criação), descanso (especialmente da mente de sua projeção externa) e digestão (nutrição do corpo).
Para a cura de doenças já manifestas, o mesmo autor, em seu livro “Prakriti”, comenta que o Yogi Chaitanyananda curou diversas pessoas, inclusive de estágios iniciais de câncer, que o procuravam de todos os cantos da Índia. O seu tratamento, com o uso de ervas e purgações, seguia os preceitos do Āyurveda para a cura:
- Remover a causa
- Purificar, para eliminar o excesso dos doṣas
- Equilibrar os doṣas e recobrar o fogo digestivo
- Rejuvenescer, para reconstruir o organismo
Como diz Frawley em seu artigo “Astrologia Ayurvédica”, publicado na edição 28 dos Cadernos de Yoga:
“O Āyurveda é denominado “a mãe de todas as curas”, porque engloba todas as formas de cura incluindo dieta, ervas, trabalhos corporais, cirurgias, psicologia e Yoga. Aceita tudo, de cunho interno ou externo, que promova saúde, bem-estar e felicidade. Essa ciência explora as qualidades e efeitos, não somente dos alimentos, remédios e comportamentos, mas, também, das estações, do clima e dos astros (astrologia).”
4. Saúde não apenas como ausência de doença, mas como aceitação de si mesmo e entrega à inteligência do Universo
Nesse tópico tentaremos quebrar a dicotomia entre saúde e doença. Pensando para além dos conceitos acima expostos e trazendo ensinamentos mais profundos que Vedānta apresenta. A saúde, sugiro pensarmos, é um estado interno, um estado de integração e de reconhecimento da plenitude da vida. É um estar bem consigo mesmo e com o mundo ao seu redor. E se pensamos a saúde dessa maneira, o indivíduo pode estar com alguma enfermidade, mas estar “saudável”.
Oliver Sacks, neurologista norte-americano, em seu livro “Um Antropólogo em Marte” diz:
“Para mim, como médico, a riqueza da natureza deve ser estudada no fenômeno da saúde e das doenças, nas infinitas formas de adaptação individual com que os organismos humanos, as pessoas, se reconstroem diante dos desafios e vicissitudes da vida. Nessa perspectiva, as deficiências, distúrbios, podem ter um papel paradoxal, revelando poderes latentes, desenvolvimentos, evoluções, formas de vida que talvez nunca fossem vistas, ou mesmo imaginadas na ausência desses males. Nesse sentido, é o paradoxo da doença, seu potencial “criativo”, que forma o tema central deste livro”. (p.13)
A tradição védica, o Yoga como parte dela, e todas as suas ciências afins, a partir de um olhar mais profundo e de uma visão integral do ser humano, busca essa “saúde”. E essa visão quebra a dualidade entre saúde e doença e nos ajuda a lidar com casos de enfermidades crônicas, na qual a saúde para aquela pessoa é aprender a lidar com o seu estado de maneira integrada. Consiste na aceitação do seu estado e na descoberta de um novo sentido para a vida.
Nos casos de doenças terminais, o processo de doença inclui também o questionamento de quem somos nós, de onde viemos e para onde vamos. Todos nós nos fazemos essas perguntas em algum momento da vida, seja na saúde ou na doença, mas normalmente quando a vida se vê ameaçada por alguma enfermidade esses questionamentos se tornam mais latentes. Reconhecemos a inevitabilidade da morte, mas é quando nos vemos próximos a ela que de fato questionamos o sentido da vida. O fato de existir a morte faz-nos buscar o sentido da vida.
Dentro da tradição védica, o corpo é chamado de ?arīra, porque é aquilo que está em constante decadência (cai para uma outra coisa), ele não é absoluto. O corpo, de acordo com essa visão, passa por 06 transformações básicas: Existe; nasce; cresce; transforma; declina; e morre. O fato de estarmos neste corpo nos dá a certeza, através da observação empírica, de que ele está sujeito à morte e encontra-se num processo natural de transformação. Quando dizemos que uma pessoa está com uma doença terminal, noutras palavras o que estamos dizendo é que esse processo natural de morte foi acelerado. Porém, mesmo que não tenhamos uma doença terminal, estamos todos caminhando, mais lentamente, para a mesma direção. A conclusão é que, cedo ou tarde, todos nos depararemos com o fato inevitável da morte.
O corpo declina por uma razão simples, a natureza é inteligente. O objetivo do envelhecimento e da fugacidade do corpo é a compreensão do desapego e da renúncia. E, por paradoxal que pareça, é o desapego que nos permite viver a vida mais plenamente. A eminência da morte nos impulsiona à compreensão do milagre da vida, ao entendimento da inteligência do Universo.
Para essa compreensão, os Vedas propõem uma vida que seja direcionada adharma e Mokṣa. Direcionada à busca dos valores e à busca pela compreensão da minha integração com o Todo. Īśvarapraṇidhāna é consequência dessa compreensão. É a entrega à ordem do universo, à apreciação e reverência à Īśvara, o Todo. É reconhecer Īśvara na nossa vida, apreciar Īśvara, que é todo o universo. É o reconhecimento das leis que regem esse universo, apreciando todos os seres, assim como o nosso próprio corpo porque ele também é o Todo. Quando apreciamos a presença deĪśvara, que é todo o universo, a nossa reverência não é a uma pessoa ou a algum Deus que esteja em algum lugar, mas é a reverência à natureza, às leis do próprio universo. Tudo o que apreciamos na forma de universo é uma reverência à Īśvara. Esse conhecimento revela que “nada mais é gratuito, tudo é ritual”, como disse o poeta Affonso Romano de Sant´anna. Quando olhamos para os seres vivos separadamente, percebemos que todos estão num movimento contínuo movidos pela manutenção da vida. Das moléculas do nosso corpo ao nosso organismo como um todo, da semente que fecunda à planta que cresce em direção ao sol. Quando, contudo, ampliamos o olhar sobre todos os seres vivos vendo-os como parte integrante de um mesmo e único organismo, o que percebemos é uma dança exuberante cujo sentido não é a sobrevivência, pois a vida não se vê ameaçada. O sentido é o encantamento.
É essa reverência que nos dá a capacidade de reconhecer que não temos controle sobre o mundo e sobre as pessoas, ajuda-nos sim a melhor conhecer a natureza do mundo e das pessoas e melhor nos relacionarmos com elas. Ao longo do processo de assimilação desse conhecimento, relaxamos, pois abrimos mão da atitude de querermos controlar o mundo e as pessoas pela nossa necessidade de ser feliz. Nós abrimos mão dessa atitude de controle a partir da compreensão de que existe uma Ordem que governa o Universo, que independe da nossa vontade. Essa compreensão traz um estado de paz e de aceitação de nós mesmos e das situações ao nosso redor. Atenção, questionamento, discriminação, desapego são fundamentais nesse processo. Desapego não apenas em relação a objetos externos, mas até em relação à imagem que temos de nós mesmos com a qual estabelecemos uma identidade desde muito cedo na vida.
O próprio processo de doença não foge as leis do Universo e pode ser um condutor a esse reconhecimento adormecido em nós. Pode ser um motivador ao rompimento da dualidade bom e mau e um veículo de reconhecimento do valor da vida. Nietzsche, como uma pessoa que ficou boa parte de sua vida acamado, fala sobre o assunto com clareza. Vejamos o que ele falou sobre a relação saúde e doença a partir da citação do artigo “Quando o corpo fala”, de Bárbara Lucchesi Ramacciotti.
“Um psicólogo conhece poucas questões tão atraentes quanto a da relação entre saúde e filosofia, e, para o caso em que ele próprio fica doente, ele traz toda a sua curiosidade científica consigo para sua doença.” Há uma relação intrínseca entre saúde, doença e filosofia, relação esta que deve ser entendida no sentido de a filosofia ser uma arte da transfiguração, tal como explicado no parágrafo 3: “Um filósofo que passou por muitas saúdes, e que sempre passa de novo por elas, também atravessou outras tantas filosofias: nem pode ele fazer de outro modo, senão transpor cada vez seu estado para a forma e distância mais espirituais - essa arte de transfiguração é justamente filosofia”. O que é transfigurado, o que é transformado com a filosofia? A doença é transfigurada em saúde, ou melhor, a doença opera como motivador para a produção de uma filosofia que busca a saúde. Saúde, dentro desse projeto filosófico, significa afirmação da vida, aceitação e transmutação dos limites. Assim Nietzsche declara que o tempo em que sofreu grave enfermidade foi um período de muitos ganhos do ponto de vista de sua produção filosófica, manifestando gratidão pelo fato de sua saúde ser tão mutável.” (p.77)
Há uma metáfora na Kaṭha Upaniṣad que diz:
“Imagine o Ser como o senhor de uma carruagem realizando uma jornada. O corpo é a própria carruagem. O discernimento é o cocheiro. A mente, as rédeas.”
Nessa bela metáfora, a carruagem representa o corpo humano, o cocheiro da carruagem é o intelecto (buddhi), as rédeas são a nossa mente e os cavalos são os sentidos, as curvas da estrada são as curvas da própria vida e o senhor da carruagem é a Consciência, que nada faz. O objetivo da vida é descobrir essa Consciência. Devemos cuidar do nosso corpo e conduzir a nossa mente, direcionada pelo intelecto, nesse sentido.
A metáfora nos mostra como é importante o cuidado com o corpo e com a mente para melhor conduzirmos a nossa vida - e para isso são válidos os meios que forem mais adequados e eficazes a cada pessoa. Mas a proposta aqui é que a carruagem seja um instrumento para se chegar em algum lugar. Esse instrumento deve ser conduzido ao autoconhecimento, pois cedo ou tarde na vida esse questionamento baterá a nossa porta. E o autoconhecimento é o reconhecimento da plenitude e do eterno em nós, independente do estado de saúde ou de doença, de qualquer limitação momentânea, do corpo ou da mente.
O objetivo da vida é viver. Viver plenamente a partir do reconhecimento de que a inteligência e a consciência da mente são um reflexo da inteligência e da consciência que está presente em tudo o que vemos. Cada átomo, molécula, organismo possui consciência e uma inteligência auto-organizadora. Há uma organização que sustenta a vida, a interação e interligação físico-energética do Universo. O corpo humano é uma organização perfeita, complexa a tal ponto a permitir a manifestação da inteligência e da consciência na mente. É isso que me faz ter a certeza e dizer: “eu existo”, “eu sou”. Esse é o grande “milagre” da vida, você estar aqui, agora, vivo presente, consciente de si mesmo e do mundo ao seu redor. Não há “milagre” maior em algum outro lugar futuro pelo qual valha abrir mão de viver esta vida plenamente, estar aqui agora é o grande “milagre”.
Estar consciente faz com que percebamos o corpo através dos seus próprios meios de percepção e com ele nos identifiquemos. Eu sou o corpo, vou até os limites da minha pele. Não apenas me identifico com o corpo, suas características visuais, mas com um nome que é dado a esse corpo, emoções que nele se manifestam, pensamentos que nele circulam. Tudo isso não passa de um constante fluxo. Fixar esse fluxo é o mesmo que olhar para o fluir de um rio e acreditar que o rio está parado, que a água que você vê correr naquela parte do rio hoje é a mesma de ontem. Além disso, é achar que essa pequena parte do rio é todo o rio. Esse fixar impede com que percebamos tanto o fluxo quanto a totalidade. Não podemos dizer que a percepção “eu sou o corpo” é verdadeira. O corpo não é uma unidade indissolúvel, fixa, absoluta que pensamos ser. O que identifico como o meu corpo é composto por um fluxo momentâneo de informações, a partir do qual não podemos dizer onde ele começa e termina. De fato não existe separação entre o meu corpo e o mundo ao meu redor. A separação está apenas na minha percepção. O universo inteiro desde a menor partícula até o mais complexo conglomerado é uma única e mesma coisa, um fluxo constante de informação e consciência. Eu sou de fato essa consciência cósmica que momentaneamente está manifesta nesse corpo-mente na forma de um brilho consciente, dando existência a tudo ao meu redor e a essa “noção do eu” que chamamos de individualidade.
Encerro com o seguinte poema:
Aceitação plena da vida
Que o vazio revele o seu pleno!
Os anseios permitam-no achar o sereno!
Que a tristeza mobilize-o à aceitação da felicidade!
A perda momentânea de sentido, para a sua reconstrução seja uma oportunidade!
Que o superficial incite o intenso!
A pequenez una-se ao imenso!
Que o medo impulsione-o a descobrir seu poder!
A certeza da morte desperte o seu valor por viver!
Que as expectativas do futuro mantenham-no no presente atento!
A ausência desperte seu contentamento!
Que a aceitação plena da vida, em todas as suas forças, conduza-o ao reconhecimento da força da vida em você!
Os opostos levem-no à unidade do ser!
(Tales Nunes)
Yamas Nyamas
Yamas, conceitos que nos auxiliam a sermos melhores indivíduos no mundo, para com o que nos rodeia. Expandam os conceitos, não se limitem à sua definição.
Ahimsá, prática da não-violência (matar um bichinho é violência, apanhar florinhas, deixar lixo na praia, atirar beatas, ter pensamentos de raiva, buzinar, refilar,… por aí e muito mais)
Astheya, não-roubar, não nos apropriarmos de nada que não é nosso (e o que é que é nosso?), não passa por roubar apenas no supermercado, em princípio nenhum de nós o faz! Roubar ideias, roubar-nos momentos com a nossa família porque trabalhamos demais, roubar saúde…)
Satya, prática da verdade. Bem difícil este. Lembrando-nos que não há mentiras e mentirinhas, e omissão é mentira também, já que quando omitimos algo o fazemos conscientemente, ou seja, se eu estou consciente que omito algo, que não digo porque ninguém perguntou, talvez seja porque há algo a esconder! Só existe a verdade, depois temos é formas de dizer a verdade. Podemos usar da compaixão para praticar a verdade. E praticar a verdade é também válido para nós! Muitas vezes preenchemos a nossa vida com mentirinhas para nos facilitar!
Brahmacharya, prática da não promiscuidade! Não vamos direccionar apenas para o sexo e afins. Eu generalizo este conceito como contenção, ‘caminho do meio’ em tudo! Nem 8 nem 80, nem tanto ao mar nem tanto à terra!
Aparigrahah, desapego. Desapego não significa não amar, não ter ou abdicar. Não temos que nada, incluindo não termos que ser possessivos em relação a nada. Da mesma forma que temos, podemos não ter ou dar. Afinal não somos donos de nada. Nem de nós.
Nyamas, conceitos que nos auxiliam a estarmos melhor connosco. Expandam os conceitos mais uma vez!
Sauchan, limpeza. Não chega lavar rabinho, pés e sovaquinho. E não chega também recorrer àquelas técnicas de limpeza que todos já ouvimos falar. Limpeza da mente. Limpeza do pensamento. Colocar Amor em vez de raiva, ciúmes, ódios…
Santocha, prática da alegria e contentamento. Qualquer ‘mal da nossa vida’ tem um lado positivo. Crescemos e aprendemos com aquilo que achamos ser mais negativo! Tudo passa, porque tudo flui. E se estivermos atentos, quando achamos que estamos bem, mesmo bem, é ‘quando elas acontecem’! Não é? E não será bom que assim seja? Faz sentido.
Tapas, auto-superação. Não é ficar na praia ao meio-dia com 40º à torreira do Sol. Não temos limites! Porque temos que ser um Ser limitado? Não somos. E atenção, liberdade não é fazer tudo, não é poder fazer tudo. Liberdade é Responsabilidade. E na Liberdade está a superação do que achamos que nos possa limitar.
Svadhyaya, auto-estudo. Observação de nós próprios. Escusado será dizer, que apontar o dedo ao outro é a parte fácil. Dizer que o mundo está mal é fácil. Mas observarmo-nos a nós é tomarmos consciência, de que às vezes (muitas vezes) podemos fazer melhor. Recolhimento.
Isvara Pranidhána, no final de tudo, entregamos. Deixamos fluir. É mais ou menos como quando refilamos com o tempo. Agora, por exemplo está muito calor, e o que fazemos? Pomos uma blusinha ‘chiki’ e um calção jeitoso e olha, aguentamos!
Escrito por: Marta Nogueira
Esta série de āsana tem como propósito auxiliar na estabilização dos joelhos. Deve ser executada com cuidado para não forçar essas articulações. Em caso de sentir dor articular em alguma das posturas, recomendamos deixar de fazê-la e passar para a seguinte. Recomendamos repetir esta série pelo menos três ou quatro vezes por semana. Os benefícios desta prática irão de manifestar depois de duas ou três semanas.
Vīrabhadrāsana 1 e 2. Um minuto de permanência em cada uma destas duas posturas, para cada lado, mantendo a respiração suave e ritmada. É importante não forçar o joelho fletido, mantendo-o sempre um pouco para trás da linha do tornozelo para não sobrecarregar o tendão do quadríceps. Deixar o joelho diretamente sobre o tornozelo ou ainda, à frente dele, não ajuda no processo de estabilização do mesmo.
Aśvaśañchalanāsana, a postura do corredor, com os braços elevados e alinhados com o tronco, a perna de trás bem ativa e a da frente não muito flexionada, para não sobrecarregar o tendão do quadríceps.
Ekapāda merudaṇḍāsana, postura deitada de costas no chão com uma perna estendida e a outra fletida, segurando o joelho dobrado com as duas mãos por trás da articulação. Mantendo o āsana, faça uma rotação externa do quadril, mantendo a perna bem estendida. 10 a 20 respirações para cada lado.
Ekapāda merudaṇḍāsana. Repetimos a postura anterior fazendo um movimento quadrado com a ponta do pé estendido, 15 vezes para cada lado. O "movimento quadrado" do pé consiste em desenhar a figura de um quadrado com a ponta do pé, fazendo um movimento curto para um lado, para cima, para o outro lado e para baixo. Esse movimento se repete 15 vezes para um lado e mais 15 para o lado oposto, com ambos os pés.
Daṇḍāsana, a postura do bastão, sentado com as costas eretas e as pernas juntas, estendidas e ativas, colocando um cobertor dobrado sob as coxas e as pernas e pés elevados a alguns centímetros do chão, para ativar bem os joelhos.
Suptadaṇḍāsana, a postura do bastão deitado de costas no chão mantendo as pernas juntas e estendidas na vertical, com um bloquinho nas plantas dos pés. Um minuto de permanência mantendo a respiração suave e ritmada.
Setubandhāsana, a postura da ponte, deitado de costas no chão, com o quadril elevado e as plantas dos pés paralelas e apoiadas. É importante não deixar os tornozelos para trás da linha dos joelhos, como indicamos na primeira postura desta série, para evitar colocar o peso no tendão do quadríceps. Um minuto de permanência mantendo a respiração suave e uniforme.
Setubandhāsana com os pés na parede, a aproximadamente 70cm de altura, elevando o quadril. Um minuto de permanência mantendo a respiração profunda e ritmada.
Ekapāda setubandhāsana, a postura da ponte, deitado de costas, com a cabeça e a região dorsal apoiadas no chão, elevando o quadril, com uma perna elevada e as coxas alinhadas e paralelas, mantendo os joelhos juntos.
Ekapāda setubandhāsana: a mesma postura anterior, agora com uma perna elevada na vertical, mantendo os joelhos separados.
Uṭkatāsana, a postura de agachamento em pé, colocando o peso nos calcanhares, com a lombar e o quadril apoiados na parede.
Uṭkatāsana em três fases: baixo, médio e alto. Experimente manter as pontas dos pés levemente separadas em relação aos calcanhares. Certifique-se de que os joelhos estão bem estáveis e que não haja dor dentro das articulações.
Série de três repetições do movimento que nos leva do uṭkatāsana aotalāsana (agachamento com as plantas dos pés no chão para a postura da palmeira, mantendo-se sobre as pontas dos pés, com os braços elevados), permanecendo cinco respirações em cada um desses āsanas.
Tração na postura do tigre, vyaghrāsana, com um joelho apoiado no chão mantendo a mão daquele mesmo lado estendida e a outra perna estendida para trás na horizontal, fazendo o movimento quadrado com o pé e a mão elevados simultaneamente, 15 vezes para cada lado.
Śālabhāsana, a postura do gafanhoto, deitado de bruços, ativando bem o abdômen e elevando levemente as pernas, sustentando um bloquinho entre os tornozelos por 15 respirações.
Ardhaśālabhāsana, a postura do gafanhoto, deitado de bruços no chão com um braço e a perna oposta elevados a apenas alguns centímetros de altura para não forçar a lombar, com movimento quadrado do pé, 15 vezes para cada lado, como explicamos na descrição do ekapāda merudaṇḍāsana.
Terminamos esta sequência com um bom relaxamento e uma meditação da nossa escolha. Boas práticas!
Namaste!
BOM DIA, TRISTEZA
Pedro Kupfer - 23 de Setembro de 2015
Como lidar eficazmente com ela?
Tudo é Ordem.
Basta-nos olhar para qualquer canto do Universo e perceberemos a Ordem. Seja na forma das leis naturais, seja na maneira em que os elementos se combinam entre si formando moléculas que formam células, seja na evolução da vida, seja na percepção dos ciclos do tempo, das estações ou da vitalidade dos seres, vemos somente ordem e harmonia.
Nada existe fora da Ordem. Os humanos somos igualmente manifestações dessas leis naturais, que chamamos Ordem de Īśvara. Īśvara é um termo sânscrito que se usa na tradição do Yoga para apontar para todo o conhecimento que existe, o que inclui tanto a causa instrumental quanto para a causa material da criação.
A Ordem de Īśvara, no ser humano, manifesta-se biológicamente através dos sistemas que sustentam a vida e a atividade. É inegável a sofisticação que o corpo humano possui, com seus trilhões de células altamente especializadas. Esse mesmo grau de sofisticação se estende para as emoções.
Cada emoção possui uma função, tem um valor e uma utilidade que por sua vez são parte da ordem psicológica. Essa ordem psicológica inclui todas as emoções. Até mesmo aquelas com as quais a nossa cultura tem um conflito, como a ira, o medo ou a tristeza.
“É proibido ficar triste”.
Porém, no mundo em que vivemos, a tristeza é vista como alto negativo, que precisa ser evitado a qualquer custo. Simplesmente, a sociedade nos nega o direito à tristeza. Inúmeras vezes, desde crianças, ouvimos os demais nos dizer “não chore, já vai passar”, ou nós mesmos já dizemos aos outros coisas como “não foi nada, não precisa chorar” .
Até mesmo quando enfrentamos alguma doença grave, como câncer ou AIDS, com frequência ouvimos coisas como “você não deve ficar triste pois hoje em dia há tratamento para a sua doença”.
É por conta dessa desaprovação social da tristeza que com frequência vemos pessoas que saem desesperadamente de festa logo depois de sofrer uma separação, sem se dar tempo para elaborar ou meditar sobre as razões da ruptura.
Isso não é exatamente preparar o chão para evitar os mesmos erros no futuro, mas é a norma. A crença estabelecida é que não seremos aceitáveis se mostrarmos a nossa tristeza. Porém, essa crença tem um preco muito alto.
O preço da negação.
A negação dessa emoção produz frustração e desorientação pois, por um lado, não conseguimos evitar a tristeza, e por outro lado achamos que é errado sentí-la. Daí deriva um sentimento de culpa que só piora as coisas, pois ainda derruba a nossa autoestima.
Negar ou reprimir a tristeza é como pretender que o espaço desapareça colocando-o dentro de uma garrafa. E aliás, não é um bom negócio: a tristeza mal digerida pode derivar em transtornos psicossomáticos, ansiedade ou depressão. Isso acontece por exemplo quando não conseguimos elaborar sadiamente a dor pela perda de um ente querido.
Assim, a não aceitação da tristeza cria uma série grande e desnecesária de dificuldades para quem reprime essa emoção, que é tão fundamental quanto útil para a nossa saúde e harmonia em todos os níveis. Dizemos fundamental, pois ela faz parte dos seis sentimentos intuitivos, junto à ira, a aversão, o medo, a alegría e a surpresa.
A função das emoções intuitivas.
Todos eles são gerados nas amídalas cerebelosas, dentro do sistema límbico do cérebro, que é responsável tanto pela manifestação dos sentimentos como pela aprendizagem de conteúdos relevantes desde o ponto de vista emocional.
A ira mobiliza a nossa energia e nos motiva para agir perante as injustiças. A aversão gera impulsos de preservação perante situações potencialmente nocivas. O medo serve para a autopreservação, para nos ajudar a reagir rapidamente em casos de perigo.
A alegria é o oposto da tristeza e se descreve como contentamento, júbilo ou vontade de viver. A surpresa pode ser positiva ou negativa, mas é sempre uma reação frente ao inesperado que nos impele as ações. Todas estas emoções básicas provocam por sua vez respostas fisiológicas através das quais agimos e nos relacionamos.
O valor da tristeza.
No caso específico da tristeza, acontece uma tendência à desmotivação e à incapacidade de agir, acompanhadas por um leve aumento das atividades cerebral e cardíaca. Tudo isso obedece a um propósito muito pontual: nos convidar a parar por um momento para refletir perante uma perda importante, ou quando não atingimos nossos objetivos.
A tristeza também serve para nos fazer poupar energia após períodos de intensa atividade ou quando sofremos um grande desgaste. Também é útil para pedir ajuda em situações de fragilidade, ou quando precisamos despertar nos nossos seres queridos uma iniciativa em relação aos cuidados.
Isso é fundamental, pois as emoções possuem igualmente um papel social: perceber e compreender as emoções alheias nos ajuda a antecipar nossas atitudes e reações.
O amigo leitor sabe que, se em meio a uma discusão, alguém fica com os olhos marejados, o outro muito provavelmente irá criar empatia, suavizando suas palavras e atitudes.
Porém, se a tristeza não for externalizada em casos como este, a empatia não terá lugar e as dificuldades irão continuar. Assim, negar a tristeza não apenas deteriora os relacionamentos, mas ainda nos impede de ganhar um abrazo carinhoso que nos lembre, em momentos de fragilidade, que não estamos sozinhos neste mundo.
A solução: deixar fluir.
Assim como as águas, estas emoções intuitivas devem ter seu lugar espontaneamente em nossas vidas. Assim como as águas, as emoções precisam fluir para que haja equilíbrio. Nenhuma emoção deveria ficar tempo demais, e nós não deveríamos nos obsessionar com o tema.
Nem dar valor demais às emoções, nem negá-las ou reprimí-las. É preciso compreender que o que somos em termos absolutos transcende em muito a subjetividade das nossas emoções. O segredo é estabelecer uma relação equilibrada com elas reconhecendo que a nossa vida é muito maior que qualquer sentimento.
Havendo saúde e boa disposição, nenhuma emoção irá ficar tempo demais. Elas sempre passam, como as águas de um rio que corre. A aceitação dessa fluidez implica eventualmente, deixar de lado o impulso de tomar alguma medicação para reprimir emoções que desapareceriam se as deixássemos repousar por um tempo adequado.
Resgate emocional.
Por outro lado, permitir que as emoções fluam nos permite repensar nossas atitudes. Se por exemplo, sofremos algum fracasso profissional, podemos ter duas atitudes diferentes:
1) nos deixar dominar pela baixa autoestima que surje quando nos enfrentamos à decepção, pensando em abandonar tudo ou achando que não nascemos para aquilo, ou
2) buscar alternativas e mudanças através de um olhar construtivo, pelo qual possamos ressignificar os fatos e encontrar novas soluções.
Em ambas as situações a tristeza estará presente, porém no segundo a emoção se manifesta de maneira atenuada, fica à nossa volta por menos tempo e não nos impede o livre andar adiante.
Outra maneira de lidar construtivamente com a tristeza é simplesmente reconhecer os fatos, a vida como ela é: nem sempre iremos conquistar o que buscamos e que, além do mais, iremos sofrer perdas.
Caindo na real.
É literalmente impossível realizar todos os nossos sonhos e projetos. Não é possível conjugar o emprego ideal com as férias exóticas, e ainda termos tempo livre para nós mesmos, uma boa poupança, o amor perfeito e a construção da família perfeita, além dos consabidos e procurados ideias da qualidade de vida, a saúde e a sanidade emocional.
Pretender fazer isso é como tentar agasalhar o corpo inteiro com um cobertor de avião: quando percebemos que estamos com as costas e as pernas protegidas, reparamos que ficaram de fora os ombros, o pescoço e a cabeça. E daí começamos a nos mexer novamente no assento para tentar consertar as coisas e achar a posição ideal.
Resolver um tema implica abrir mão de outro. Não podemos ter tudo. A vida é assim de simples. Portanto, não precisamos nos entristecer pelo que deixamos para trás nas nossas escolhas passadas, nem nos lamuriar pelo que não temos.
O paradoxo da “vida perfeita”.
O paradoxo da “vida perfeita” é que ela só gera frustração e tristeza. Assim, o antídoto contra ela, se existe um, é reconhecer que inevitavelmente teremos momentos em que a tristeza será nossa companheira de viagem.
O grande problema é confundir essa “vida perfeita” em termos de desejos, sentimentos, ações e resultados, com felicidade. São coisas totalmente diferentes. Compreender e aceitar que os desejos são naturais e fazem parte da ordem psicológica é o primeiro passo para se libertar da frustração que possa derivar deles.
O erro fundamental, neste ponto, é achar que é satisfazendo desejos que nos tornaremos felizes. Para nos sentir felizes, o que acontece por momentos sem nenhum plano específico, não precisamos resolver questões práticas.
Às vezes nos percebemos realizados e plenos, apesar de ter que lidar com a mesma quantidade de pressões ou deveres. Talvez essa seja a demonstração de que a felicidade é natural para o ser humano. A felicidade não nos custa.
Felicidade é natural.
Ninguém se cansa de ser feliz. A tradição do Yoga ensina que felicidade é a natureza humana. As limitações do corpomente são restritas ao corpomente e pertencem unicamente a ele. Não são nossas, no sentido de que o Ser não tem posses de nenhum tipo. O Ser apenas é.
Fisicamente, em termos de força, resistência ou longevidade, somos limitados. Intelectualmente, temos igualmente capacidades limitadas, como memória, agilidade ou concentração.
Não obstante, o Ser que somos transcende todas as limitações físicas ou intelectuais que possam se erroneamente atribuídas a ele. O fato de não sabermos falar grego ou não compreender os pormenores da relatividade são limitações inerentes ao intelecto, não ao Ser.
Isso não nos torna limitados. O Ser que você é está além dessas limitações. Quem é este Ser? Aquele que pode ser apreciado, não com os olhos do rosto, não com a mente, mas pelo Si Mesmo.
Você já é o que busca.
A síntese do grande ensinamento do Yoga são as palavras tat tvam’asi: “você é Aquilo”. Esta frase aponta para o fato de que o indivíduo é idêntico ao Ser ilimitado. Ela deve ser perfeitamente compreendida se quisermos uma vida tranquila e plena, apesar dos desafios e das dificuldades inerentes a qualquer existência.
Essa visão nos mostra que o Ser é ilimitado e, portanto, não está restrito às questões do corpomente que listamos acima. Ao mesmo tempo em que é ilimitado, está presente em todas as manifestações da natureza, e consequentemente em todas as emoções e todos os pensamentos.
Nesse sentido, ensina um texto antigo chamado Kaṭha Upaniṣad: “Aqueles que percebem a si próprios, não como corpo ou mente, mas como o Ser ilimitado, o divino princípio da existência, encontram a fonte de toda felicidade e residem nela”.
O Yoga propõe então uma mudança de visão que, esperamos, possa inspirar o amigo leitor a viver uma vida mais plena, feliz e realizada, apesar dos desafios. Boas práticas. Boa vida!
Namaste!